Saturday, April 23, 2005

COMPAIXÃO

O texto abaixo surgiu primeiro como um comentário a um poema, Sabor do Saber, publicado no Blig - Portal do Pensamento - que, fazendo jus ao nome, muito nos faz pensar.
Creio que todos quantos virem a ler o texto abaixo dele terão melhor compreensão se antes conhecerem a mensagem contida em o Sabor do Saber. Assim sendo, convido aos poucos que ainda não o conhecem, a viajarem até aquele Portal - http://portaldopensamento.blig.ig.com.br/.
A todos desejo uma ótima viagem e um excelente retorno!...

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Desde criança, de vez em quando, eu tenho uma sensação que me faz questionar: por que EU só estou conhecendo os meus próprios pensamentos? Por que SÓ eu estou conhecendo os meus pensamentos? Por que não há a integração total entre mim e o outro? De repente, é como se eu me desse conta da perda de uma faculdade que me permitisse estar em permanente e total comunhão com todos. É como se eu já houvesse experimentado a sensação de ser um com todos, sem, entretanto, perder a minha própria individualidade.
É uma sensação que dura alguns segundos, e depois tudo volta ao que chamaremos de “normal”.
Compaixão: pesar que em nós desperta a infelicidade, a dor, o mal de outrem; piedade, pena, dó, condolência. É esse o significado dado pelo dicionário para compaixão.
Compaixão é também palavra freqüentemente usada por Mr. Bush, que, infelizmente, só deve gostar muito do som, sem, entretanto, ter a menor noção do seu significado. Muito menos que expressa um sentimento: o de sentir com o outro o seu sofrimento. Quem ignora o desejo do outro, quem desconsidera o sentimento do outro, quem está enclausurado dentro do seu próprio ser obviamente não pode nem ao menos vislumbrar o que venha a ser compaixão.
Todos os seres humanos deviam ser capazes desse sentimento - principalmente os que decidem - para que entendessem as conseqüências de suas decisões nos corações alheios. Seria interessante que pudessem sentir a dor da perda de um ente que é querido, amado pelo outro, e não por eles - ainda. Sim, “ainda ”, porque através da compaixão o outro deixa de ser um estranho, um ser apartado de nós, para ser um conosco. Percebemos que os seus sentimentos têm muito dos nossos próprios sentimentos, que há muita semelhança entre as suas e as nossas necessidades, e que é precisamente por isso que o outro é nosso semelhante - porque é semelhante a nós.
Conclusão óbvia, não? Nem tanto, pois a maioria das pessoas tem dificuldade de enxergar no outro um ser que a elas mesmo se assemelha. O outro é sempre um ser distante, diferente, inferior, ameaçador. Ao nos deparar com o outro, tornamo-nos refratários a qualquer interrelacionamento verdadeiro entre nossas mentes; fechamo-nos dentro de nós mesmos, não só em preconceituosa defensiva, mas em resposta ao nosso incomensurável medo do desconhecido. E assim, ao revés de nos permitir conhecer o outro, criamos a respeito do nosso semelhante um universo de incertezas, de desconfianças. E se temos sobre o outro incertezas, desconfianças a nossa insegurança - o nosso medo desse universo desconhecido - gerará em nós uma grande inquietação, que pode até ter fundamento, mas que na maioria das vezes tem origem no nosso imaginário.
Aqui cabe abrir um parentese para ressaltar que embora a civilização atual se autodefina com uma série de adjetivos que a retratam como extremamente racional e civilizada, a verdade é que o homem atual é tão - ou até mais - dominado pelo pensamento mítico quanto os nossos antepassados. Por traz de toda a alta tecnologia continua a existir uma crença muita arraigada em rituais que remotam àqueles tempos pré-filosóficos. Pratica-se mesmo vários desses rituais através da Internet. Estamos, pois, muito distantes de nos livrar de todas as crendices, as superstições, as fantasias, enfim, de todos aqueles elementos míticos. Ou seja: por trás de toda tecnologia, continuamos com a pajelança...
Mas voltemos ao medo que o universo desconhecido do nosso semelhante desperta em nós: é esse precisamente o caso de Mr. George Walker Bush, que criou a idéia de que Saddam Hussein iria matar o seu pai, destruir os Estados Unidos e o seu povo. Nada disso era verdade: não havia a menor possibilidade de qualquer ataque, de qualquer agressão por parte de Saddam Hussein, de seus familiares ou de seu povo. Mas, ao se aferrar àquela opinião formada antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos (que é exatamente o significado de “preconceito”), Mr. Bush acabou por considerar Saddam uma ameaça que devia ser combatida, sem dó nem piedade. Decidiu agir com prevenção. E o que é prevenção? É a opinião ou sentimento de atração ou de repulsa, sem base racional. Convicto de suas próprias quimeras, o presidente estadunidense reuniu aliados e atravessou metade do planeta para destruir o seu inimigo - antes que este pudesse agir.
Sim, sim, ele também achou que seria extremamente fácil transformar o Iraque num novo “território americano”. Mas como suas premissas eram falsas, ao invés de um excelente negócio, para ele e seus aliados, ter o domínio do Iraque se transformou num pesadelo que só faz crescer - em progressão geométrica.
Mr. Bush, então, terminou por dar vida à sua própria criação malígna: tornou-se, ele mesmo, aquele agente do Mal, aquele ser perverso - que ele fez todos crerem que Saddam encarnava. Deste modo, foi Mr. Bush, e não Saddam, quem agiu malignamente, pois enquanto a família Bush contínua íntegra, Mr. George Walker desagregou toda a família de Saddam Hussein, assassinou brutalmente seus filhos, desintegrou o Iraque e está dizimando os iraquianos (hoje, o número de civis iraquianos mortos no Iraque como resultado direto das ações militares levadas a cabo pelos Estados Unidos e seus aliados, varia em torno de 26.457 a 29.795, um número bastante alto, levando-se em conta que o Iraque, antes da invasão, contava com cerca de 22 milhões de habitantes. Uma população pequena, pois trata-se de um país pequeno, menor do que o nosso estado de Minas Gerais).
Destarte, Mr. Bush, dizendo encarnar “o cavaleiro da esperança”, “o libertador dos povos oprimidos por ditaduras brutais”, o “entronizador da democracia”, perpetrou sua vingança cruel, odiosa; e, como conseqüência, o mundo - ao contrário do que ele continua a afirmar - não se tornou melhor, nem mais seguro. O Iraque não se tornou livre - pois nenhuma nação é livre sob o domínio de um exército estrangeiro; nem se democratizou: apenas deixou de ser a nação soberana que era. Agora é tão somente um território que está sendo implodido (seja no plano arquitetônico, econômico, social, moral), porque tornou-se dominado pelos interesses de várias raças, seitas diversas, vários interesses, vários governos estrangeiros, várias facções terroristas.
Percebamos que teorias como a do ataque preventivo é, em última análise, a recusa de dar ao outro uma chance de apresentar-se a nós - como verdadeiramente é; é a recusa de querer conhecê-lo, pois agrada-nos mais a idéia que criamos dele - e que é uma mentira. E para o homem ignorante nada mais atraente, prazeroso e sedutor do que a mentira.
No caso do Iraque não foi somente a recusa de dar uma chance à Paz, mas também de dar ao tempo chance de desincumbir-se de revelar a verdade. Sim, foi preciso agir com toda a precipitação, com todo o açodamento, com toda a irreflexão possível para evitar o não cometimento de uma injustiça.
Nossa ignorância nos dirige para a idéia preconceituosa de que somos diferentes, superiores, inigualáveis; e de que o outro é um ser diferente, inferior, que jamais poderá a nós se comparar, se igualar. Todo homem sem valor ou mérito gosta de pensar assim, por isso, antes que essa idéia desmorone, antes que se mostre um enorme erro, antes que se revele fruto de intriga e inveja, o homem inferior - atira no espelho, em seu próprio reflexo. Sim, ao matar o “outro” injustificadamente ( visto que as suas justificativas se baseavam em mentiras), o ser desprezível assassina a si mesmo, porque a falta de amor e de piedade leva o coração do homem a se empedernir. E empedernir é precisamente: tornar em pedra, petrificar. Tornar desumano, cruel; desumanizar; tornar frio e insensível como pedra. Petrificado, o homem involui a um “ser desumano”, um falso vivo, um morto que se move, porquanto todas as melhores experiências da vida lhe será impossível desfrutar com um coração de pedra. Sim, claro, há muita “diversão” escatológica a ser vivenciada pelo ser inferior, há muito o que “desfrutar” no terreno da corrupção, das obscenidades, das traições. Porém, o “ser desumano” é um ser embrutecido, um ser que perdeu a sensibilidade, a percepção das sutilezas - e, o melhor da vida encontra-se primordialmente nos detalhes.
Ao se empedernir e se tornar um ser frio e insensível, aquele morto que se move, priva-se, voluntariamente, de experimentar o sentimento da compaixão. E a falta de compaixão é o olhar sem ver, pois olhar não é só registrar a imagem do que está fora de nós, mas é também uma das formas de trazer o externo sentimentalmente para dentro de nós. Não fomos criados para ser como os televisores, as câmeras de vídeo e os computadores, que apenas captam as imagens, mas delas nada apreendem, nada sentem, nada entendem. A captura de uma imagem não tem o condão de causar um repentino avanço na tecnologia de um determinado computador; mas o olhar que se compadece diante de uma cena de sofrimento evolui o homem, torna-o portador de outros dons, de outras qualidades mentais, emocionais e espirituais.
Mas... como ensinar a compaixão? Ensinar? Talvez fosse melhor perguntar: como se desenvolve a compaixão em nosso ser?
Como todo dom de Deus, a compaixão se encontra disponível para qualquer um de nós. Sim, qualquer um pode fazer um “download gratuito” para adicioná-la ao seu coração.
Porém, pessoas que acreditam ser o “cavaleiro da vingança”, o “martelo de Deus” fazem de tudo para evitar experimentar o sentimento da compaixão. Geralmente, vivem se convencendo de que sentí-la é sinônimo de fraqueza. Em verdade, temem que a extraordinária força da compaixão e do arrependimento lhe desintegre o coração, a mente e a alma. Porque, como todo dom de Deus, a compaixão abre o coração, a mente e a alma para o Universo. Por conseguinte, tornam-se acessível ao homem vários tipos de conhecimento que lhe são necessários para a conquista da sua felicidade.
Infelizmente, um dos maiores medos do homem inferior é exatamente ser feliz: acostumou-se a chafurdar-se, a atolar-se em seus vícios, a circular sempre na escuridão de labirintos subterrâneos. Ao ver que da porta que foi aberta por algum sentimento superior, por algum dom de Deus emerge uma luz intensa e que só faz crescer, o homem ignorante sente os seus olhos ofuscados, o seu coração descompassado, a sua mente confusa. Habituado a ter sempre o coração enclausurado, a caminhar em círculos, repetindo sempre os mesmos pensamentos e os mesmos erros, o ser inferior, ao sentir que as portas de seu coração e de seu espírito estão sendo abertas para o Infinito, ao vislumbrar a amplidão do Universo, é tomado pelo horror ao desconhecido: fecha a porta e retorna, rastejando, à escuridão de sua inferioridade. Mais uma vez é o medo, baseado na ignorância, que impede o homem inferior de adicionar esse tesouro à sua arca do peito.
Sim, podemos mesmo afirmar que a compaixão é o primeiro passo para a onisciência.
Poder sentir o que os outros estão sentindo nos torna realmente livres e vivos, nos torna abertos para o Universo, para Deus. Não sentir o que os outros estão experimentando nos faz conhecedores só de uma pequena parte do nosso próprio universo interior, pois até para conhecê-lo por inteiro precisamos das chaves que são encontradas no universo do outro.
Assim, chega a ser desconcertante que precisamente os homens, que mais querem se equiparar a Deus, sejam os mais refratários ao desenvolvimento da compaixão, preferindo buscar a onisciência e onipotência através do “aperfeiçoamento” de suas técnicas de destruição (desenvolvimento de armas de destruição em massa, por exemplo).
O conhecimento sem compaixão é restrito e parcial. Por isso não foi tão difícil criar a arma atômica que destrói, que mata em milésimos de segundos. Mas a inteligência para criar a arma atômica que constrói, que cura instantaneamente - esta para nos é impenetrável, pois a nossa insensibilidade também nos torna impermeáveis àquela capacidade de aprender, compreender e perceber as coisas. A falta de compaixão reduz essa nossa capacidade: por isso só nos é possível, só está ao nosso alcance intelectual tudo que se refira à destruição; mas nos é muito mais difícil, impossível, improvável e mesmo totalmente ininteligível o que for concernente à construção, à cura.
Assim sendo, jamais poderemos afirmar que a inteligência dos maus seja mais poderosa do que a inteligência dos bons. Ela pode ser mais espetaculosa, ser divulgada com estardalhaço com o objetivo de confundir os incautos. Pode também parecer mais poderosa porque, além de o número de homens maus ser “como a areia do mar” estes submergem na maldade, e a ela totalmente se entregam. No que se refere aos homens bons, estes raríssimamente o vemos: o que com maior freqüência são “aspirantes” à adquirir a bondade. Por isso, o que vemos são pessoas que só conseguem “flutuar”, “sobrenadar” no oceano da bondade, pois que a isso não se dedicam ainda com exclusividade, com fidelidade.
É facil perceber que a destruição é um caminho muito mais fácil, pois acessível a qualquer ser, por mais inferior que seja. Ninguém, portanto, deveria se sentir superior por lhe ser possível causar grande destruição, sofrimento, dor - porque isso é o que se espera de um espírito inferior. A superioridade de um ser só se revela quando ele é capaz de criar, construir, proporcionar alegria duradoura, curar sem causar nenhuma seqüela (pois, não raro, os efeitos colaterais são piores do que a própria doença), ressuscitar.
Porém, a compaixão exige um espírito puro, um coração íntegro, pois ela não se coaduna com sentimentos inferiores, como, por exemplo e, principalmente, a hipocrisia. Porque a compaixão é sentir mais; é, em verdade, sentir compreendendo o sentimento do outro, é sentir alcançando todas as notas daquela música doce, mas pungente, que é a saudade; é sentir deixando-se afligir por toda a dor lancinante que a morte do ente querido, amado pelo outro a este proporcionou.
Muitos gostam de pensar que o seu sofrimento é superior ao de todos os outros. Mas aqui estamos no terreno da suposição, do imaginário: como podem valorar o sofrimento alheio se jamais se deram ao luxo de sentir com o outro a dor que este sofre?
Valorizar essa dor como se nossa fosse, considerá-la como nossa, assimilá-la, aprendê-la, apreendê-la como nossa: isso ampliaria os nossos horizontes sentimentais, pois abriria o nosso coração para outras dimensões universais: isso verdadeiramente nos tornaria seres superiores.
Da compaixão brota a ética, precisamente porque é a partir do “sofrer com o outro”, sentindo cada tormento da dor que lancina, que golpeia o coração e a mente de seu semelhante, que o homem entendeu que a dor alheia não lhe era estranha, não lhe era impossível de sentir, não lhe era improvável. Foi a partir da capacidade de com o outro sentir a dor que começamos a entender não só o “ama ao próximo como a nós mesmos”, como o “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Por isso, “se tenho compaixão, nada de mau poderei fazer a quem quer que seja”.
Vale repetir: enquanto olharmos e o que virmos ficar “fora de nós”, isso significa que ainda estamos “impermeáveis” à lágrima alheia, insensíveis à dor do outro. Isso significa também que não passamos daqueles “ossos ressequidos” de que nos falou o profeta Ezequiel. Sem experimentar a compaixão não somos ainda humanos, pois “humano” não é tão-somente pertencer ao gênero humano, mas é PRINCIPALMENTE ser bondoso; é também ser humanitário, ou seja, visar ao bem-estar da humanidade; amar os seus semelhantes, ser benfeitor. Mas só faz o bem quem já experimentou - em seu próprio coração - o sofrimento que a sua ação má pode proporcionar ao coração alheio. O arrependimento que somos forçados a sentir por um Mecanismo Divino nos faz compreender a real dimensão dos nossos atos. O sabor da vingança é suplantado pela dor sentida pelo outro e que agora está em nosso próprio coração.
E é disso que o homem inferior tem um incomensurável medo: de se regenerar. E o que é a regeneração? É corrigir-se moralmente, é vivificar-se - ressuscitar-se. Mas a perspectiva da expansão ilimitada do seu ser atemoriza o homem inferior de tal forma que ele sempre acaba escolhendo a morte espiritual.
E aí volto àquela sensação que eu de vez em quando experimento: a de me parecer estranho não sentir o que os outros estão sentindo. Isso me faz sentir como se o meu ser estivesse emparedado, enclausurado, como se o meu ser fosse menor, ou estivesse impedido de se expandir. É uma sensação estranha.
“Sabemos como ensinar saberes.”
Em verdade, os saberes que nos são ensinados são as paredes e a morfina que nos vão enclausurando e anestesiando.
Aquele menininho que se pôs a chorar ao final da história “O Patinho que Não Aprendeu a Voar” deu vida ao patinho que, antes, não existia. Porque a existência é muito mais do “tudo” isso que nos permite perceber essa nossa percepção “embotada”, “insensibilizada”. Esta é em muito ampliada pela compaixão, que nos permite ir onde muitos consideram ser “terreno do imaginário”. O que para estes é imaginação, para os compassivos é realidade. É uma dimensão a mais que inexiste para os que pensam que o mundo se resume ao terreno do “apalpável”. Mas não é nesta dimensão que se encontra a Verdade. A Verdade - que é Deus - está no “sentir com o outro” - que é um importante passo para a Onisciência - que é “ter ciência de tudo”, e é a qualidade do Saber de Deus.

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